sexta-feira, 11 de dezembro de 2015

PARA SEMPRE ALICE, de Lisa Genova


Gostei bastante do filme Para Sempre Alice, que é inspirado no homônimo livro que hoje terminei, e que é ainda melhor do que o filme. E, no fim de tudo, a adaptação até que funcionou. Certo que há algumas transformações, mas vale lembrar que o filme é apenas inspirado, e muitas partes suas mesmo não batem com partes do livro. De qualquer maneira, ambos o filme e o livro, tendo ênfase no último, são recomendáveis. Mas a forma de como o livro me tocou é incomparável ao filme. Para Sempre Alice, da autoria da neurocientista Lisa Genova, é uma obra literária imperdível, e um dos melhores livros sobre o Alzheimer. Creio eu: o melhor livro feito sobre a doença até o momento que eu já li.

Há um certo ponto no livro, depois da página cem e tal, quando os efeitos do Alzheimer passam a ter uma profunda transformação em Alice, em que torna-se desesperador ler. Talvez seja a parte mais angustiante e triste (o final) de todo esse livro. Professora de linguística na Universidade Harvard, a Dra. Alice Howland, ativa palestrante e uma mulher de referência na área em que trabalha, passa a ter pequenas crises de esquecimento, que, à ela, vem com a idade (na casa dos 50, Alice presume que a menopausa esteja se aproximando). Mas, com o decorrer do tempo, e a melhor interpretação dos sintomas, Alice descobre que tem Alzheimer. E que a doença foi, muito provavelmente, herdada do pai, compulsivo alcoólatra, de quem Alice nunca gostou e nunca teve afinidade devido à sua ligação com um capítulo decisivo e irreparável do passado, onde o pai levou a culpa.

Alice inicialmente causa desconforto à família e aos amigos, que passam a se distanciar dela, enquanto a doença ainda encontra-se no seu estado inicial. Essa distância faz com que Alice crie uma falta de confiança extrema, e passe a culpar essencialmente o marido pela falta de presença e atenção com ela. Tudo culmina no complicado relacionamento que Alice tem com a filha caçula, Lydia, atriz amadora que não quer entrar pra faculdade, apesar da insistência da mãe. Diante da doença, as duas se unem. Anna, uma mulher que tem dificuldade para engravidar, só consegue pensar em si mesma e fica desesperada quando descobre que a mãe tem Alzheimer hereditário, logo cogitando a possibilidade de possuir o gene da doença, o que desperta a fúria do pai. Lydia, no entanto, ao contrário da inóspita Anna e de Tom, opta por não fazer o exame e descobrir se possui ou não a doença. 

E assim o livro segue. A análise de Lisa Genova da doença e de seus efeitos é extremamente reconhecível e de uma proficiência absolutamente bela. Muito embora o livro possua exageros, nele há a maturidade literária e o talento de uma escritora inspirada e audaciosa. A ideia de Para Sempre Alice é, até de longe ambiciosa, tocando no assunto. Escrever sobre uma doutorada em linguística - uma nata intelectual e inteligente profissional - que é acometida por um processo de degradação cerebral com o surgimento do mal de Alzheimer é um baita desafio. Sorte deste livro, que teve Lisa Genova comandando, mestra que há pouco tempo nem mesmo sabia da existência e já idolatra, por ter criado um retrato tão marcante de uma das doenças mais enigmáticas e destrutivas, cuja cura ainda sem descoberta tem resultado em várias pesquisas na atualidade, que chamam a atenção de qualquer um comunicado sobre ela. 

Lisa publicou outro livro além de Para Sempre AliceNunca Mais Raquel, que acabou despertando meu interesse, e cujo procurarei mais tarde. Se for do mesmo jeito que este aqui, saberei que se tratará de um excelente trabalho. Me emocionei. Não chorei (por mais triste que um filme ou um livro seja, muito raramente chorarei). Talvez tenha chorado por dentro, já que chorar pra mim em tais momentos é bem difícil. Ri em partes engraçadas. Fiquei chocado em outras. Me surpreendi com o método de Genova, em especial o rumo que a narrativa toma lá perto do final, nas últimas páginas, onde o Alzheimer atinge seu auge. O sentimentalismo não incomoda. Gera o carinho e a nossa curiosidade. Para Sempre Alice é um livro obrigatório, em minha mais resumida opinião. Comove e estabiliza. Muito difícil alguém não gostar dele. É gostoso de se ler, não cansa e objetivamente nos proporciona um momento de reflexão e indubitável impressão... Leiam. E, na melhor das hipóteses, releiam. É simplesmente excepcional!

[resenha resgatada - 15/08/2015]

cotação: 

título original: Still Alice
autor: Lisa Genova
ano: 2007
gênero: Ficção, Drama
país: Estados Unidos
editora: Nova Fronteira

DOZE ANOS DE ESCRAVIDÃO, de Solomon Northup


Não consigo crer na imensa quantidade de livros que tenho para ler. É assustador demais, sério. Faz algum tempo que vi pela última vez 12 Anos de Escravidão, penúltimo vencedor do Oscar de Melhor Filme, e o último filme vencedor do grande prêmio que me trouxe alguma alegria, já que a vitória de Birdman nem de tudo me alegrou, pois me trouxe baita insatisfação, já que trazia como concorrente O Grande Hotel Budapeste, quem eu muito apostava na vitória na categoria. Mas, enfim. Comecei a ler Doze Anos de Escravidão em abril, apesar de estar com a cópia do livro não-ficção de Solomon Northup desde janeiro deste ano. Atrasei a leitura justo por que estava nas minhas mãos com outro livro, Cinquenta Tons de Cinza, bem menos importante do que este livro aqui, cujo terminei não faz muitos minutos.

"Tão importante quanto O Diário de Anne Frank", foi o que o cineasta britânico Steve McQueen, que dirigiu a adaptação do livro ano retrasado, declarou em uma entrevista. E não o culpo. Doze Anos de Escravidão é uma obra literária impecável cuja narrativa me deixou atipicamente emocionado e cativado como nenhum outro, e faz bem mesmo compará-lo ao clássico O Diário de Anne Frank. A jornada verídica de Solomon Northup, homem livre de Nova York que fora vendido ilegalmente como escravo em terras do sul, é terrivelmente assustadora em certos pontos, e, de mero fato, compreensivelmente inacreditável. Estamos em 1841. Após ser convidado para uma apresentação em Washington, Solomon, um talentoso violinista, residente de Saratoga Springs, em Nova York, negro, certa noite na cidade acaba adormecendo com uma imensa sede, e quando acorda, ainda sofrendo de uma insuportável dor de cabeça, se encontra numa escuridão, acorrentado, sem entender algo. É nessa escuridão que inicia o capítulo mais doloroso e sofrido de sua vida: Solomon, além de ter seu nome mudado, é vendido como escravo e impetuosamente tratado como um animal por suas autoridades responsáveis. 

Chega a ser odiável ver como a desumanidade chegou a um nível catastrófico naquelas regiões e como o pobre e inocente Solomon sofreu ardilosamente nas mãos dos senhores. Não só ele, é lógico, mas também seus companheiros de "cela", que passaram junto à ele por maus bocados. E é interessante ver a filosofia e a reflexão de Solomon diante de tais momentos cujos ele passou por tensão e infelicidade, e como ele soube conduzir com boa vontade a esperança de um dia sair daquele endemoniado lugar que aprisionara sua liberdade e retornar à sua vida normal, com sua família, afastado de todos os monstros que um dia lhe causaram transtorno e angústia. Assim como em partes a narração de Solomon nos ensina que há pessoas repugnantes de más neste mundo, tal como o malévolo John Tibeats, ou o ridiculamente insensato e impiedoso senhor Edwin Epps, que maltratou Solomon de maneira sangrenta e horripilante nos últimos tempos (e na maior parte do tempo) de sua jornada, também há ensinamentos propostos por Solomon que até nos aliviam, mostrando o quão bom as pessoas poderiam ser, tal como Samuel Bass, o herói que salvou a vida de Solomon Northup escrevendo-o uma carta e a direcionando para velhos conhecidos de Northup para Nova York.

Ler as duzentas e cinquenta e oito páginas deste livro não é uma tarefa nada fácil. Lê-lo requer alguém de, honestamente, sangue frio. Resistir toda a violência e a repugnância imoral aqui contidas não é pra qualquer um nenhum. Até que, se refletido, Doze Anos de Escravidão é um livro cuja poesia nos encanta, mas a forte história, tão quanto o filme, nos deixam trêmulos. Os relatos históricos proporcionados por Solomon nos levam a compreender em seu extremo total o quão inteligente era Solomon, a ponto de até mesmo poder esconder sua verdadeira identidade por uma quantidade de tempo tão longa. 

Agora, ao ponto que muita gente andou duvidando, e eu, logicamente, também, já que foi tal questão que foi uma das responsáveis intuidoras de meu interesse em pegar o livro para lê-lo: "o filme é fiel ao livro?". Pelo que eu sinceramente me lembro, já que faz um bom tempo que eu revi 12 Anos de Escravidão, até que é sim. O roteiro de John Ridley selecionou pontos importantes da narrativa de Solomon (que, se vista de perto, nem parece a narração de doze anos inteiros - e não é, já que uma boa parte da história baseia-se em reflexões por parte de Solomon a partir de sua vontade de atingir a querida liberdade e o quanto ele ficou complexamente chocado com toda a violência e a falta de humanidade presentes naquela infame região, uma experiência para a qual ele nunca mais passaria um dia de sua vida sem esquecer -) e deletou outros que não seriam tão construtivos para o filme, tal como as imensas e, confesso que às vezes, cansativas partes onde Solomon explica o funcionamento de máquinas, os trabalhos encomendados, o serviço, a cana, e tudo o que mais seria desnecessário para relatar e ressaltar a história impactante do homem. Nesse quesito, pode-se dizer que Ridley fez um trabalho magnífico. No entanto, como minha memória falha diante da recordação do filme, não posso estar totalmente correto quanto à esta declaração. Só mesmo poderei estar certo revendo o longa, algo que não tardará não.

E é isso aí. Eu gostei sim de Doze Anos de Escravidão. É um livro potente, brilhante, extremamente significante e muito bem feito baseado na terrível e diabólica experiência vivida por Solomon Northup, como Platt, após uma emboscada em Washington que o levou a ser contrabandeado naquelas terras, e, infelizmente, testemunha e prova viva das atrocidades inescrupulosas que aquele lugar escondia (nem pretendo comentar mais afundo sobre os tristes relatos de Solomon sobre sua companheira Patsey, que, cobiçada pelo senhor, era alvo dos ciúmes furiosos da esposa dele, sra. Epps, e com isso era sempre exposta às mais espinhosas punições que sempre causavam um terrível deleite à senhora, cujas imagens de açoitamento que eu criei em mente e que o filme criou tardaram a serem esquecidas por minha pessoa). Mas confesso que, de tudo, foi triunfal ler esse clássico, que não era muito famoso não, só mesmo virou preciosidade devido ao filme, que reforçou a fama desde livro sensacional e totalmente essencial. Se você gosta de uma leitura original e incrivelmente detalhada cheia de descrições histórias e passagens cativantes, ainda que sujeitas à uma exposição desnatural e vivencial repleta de violência, Doze Anos de Escravidão é um livro que em sua prateleira não poderá se ausentar de modo algum!

[resenha resgatada - 30/06/2015]

cotação: 

título original: Twelve Years a Slave
autor: Solomon Northup
ano: 1853
gênero: Não-ficção
país: Estados Unidos
editora: Penguin Readers em parceria com Cia. das Letras